"A estatística é a arte de enganar amparado pelos números"
Eu ouvi essa frase há alguns anos numa aula de estatística básica. Ela foi utilizada pelo professor para explicar a seguinte situação.
Era uma época de eleição municipal e um dos candidatos a prefeito havia colocado um outdoor próximo da universidade com a seguinte frase: "85% dos eleitores acreditam que fulano de tal vencerá a eleição". Até aquele momento as pesquisas indicavam empate técnico entre os dois candidatos do segundo turno.
Veja bem: "quem você acredita que vai vencer" é diferente de "em quem você vai votar". O candidato do Outdoor quis ludibriar os eleitores passando a falsa impressão de que ele tinha ampla maioria das intenções de votos, eu mesmo havia sido enganado até que o professor chamasse atenção para aquele fato. Eis o poder da manipulação dos números.
Mas então, e o corte das instituições federais de ensino é de 30 ou 3.5%?
A resposta é: depende do ponto de vista!
As instituições têm basicamente quatro despesas principais:
1 - Pagamento de aposentadorias e pensões
2 - Pagamento de pessoal ativo 3 - Funcionamento
4 - Reestruturação e expansão
1 e 2 são despesas não-discricionárias, isto é, são despesas obrigatórias e as instituições têm zero autonomias sobre elas.
3 e 4 são despesas discricionárias, incluem gastos como: o pagamento da conta de luz, de água, de telefone, o pagamento de serviços terceirizados de segurança, limpeza, reformas, a manutenção de equipamentos, a compra de materiais como papel e outros programas de permanência, como as bolsas de auxílio-transporte e auxílio-alimentação dos estudantes, e bolsas de pesquisas acadêmicas, construção de um novo laboratório, etc.
Ou seja, é apenas em 3 e 4 que as instituições têm poder de negociação.
Vejamos como fica isso em termos de números:
- 1 a 4 = 100% do orçamento.
- 1 e 2 = 85% do orçamento.
- 3 e 4 = 15% do orçamento.
O corte do MEC está sobre 3 e 4, e é exatamente aqui que entra o conflito dos números divulgados nos últimos dias.
Se você analisa sob a ótica de um orçamento total ( 1 a 4 ), de fato o corte é de 3.5%. Mas se o ponto de vista for a autonomia econômica das instituições ( 3 e 4 ) o corte é de 30%.
O MEC sabe que ele está desestruturando o poder de negociação das instituições, foi o próprio ministério que primeiramente divulgou o valor de 30% conforme a nota abaixo que você pode ler na íntegra:
"O Ministério da Educação informa que UFBA, UFF e UNB tiveram 30% das suas dotações orçamentárias anuais bloqueadas. O MEC informa, ainda, que não envia comunicados a respeito do orçamento a nenhuma instituição, todos os dados são visualizados pelo SIAF. Nesse sentido, cada uma pode informar os impactos do bloqueio em sua gestão. A medida está em vigor desde a última semana. Cabe destacar que, o Ministério estuda os bloqueios de forma que nenhum programa seja prejudicado e que os recursos sejam utilizados da forma mais eficaz. O Programa de Assistência Estudantil não sofreu impacto em seu orçamento".
Este corte inicial, sem nenhum parâmetro técnico, pegou muito mal na opinião pública, por isso o MEC o estendeu para todo o conjunto das universidades e IF's.
Como este assunto continua repercutindo mal, o MEC está fazendo malabarismo com as palavras e com os números para tentar mostrar que os cortes são de apenas 3.5%, portanto, amenos ou doce como chocolatinhos.
Em tempo: o candidato citado no início do texto perdeu as eleições municipais daquele ano, mesmo manipulando números a seu favor.
Alguns links para entender sobre os orçamentos e os cortes das instituições: