ESCREVER UM ARTIGO CIENTÍFICO: DAS PARTES PARA O TODO
Resumo – Apresentam-se, de forma sintética, os principais cuidados a ter na escrita de um artigo científico. Para esse efeito, descrevem-se e comentam-se, sequencialmente, as sucessivas componentes de um documento desta natureza. Pensa-se que esta abordagem constituirá um bom auxiliar para os autores que pretendam reforçar a coerência e adequação dos seus artigos científicos.
Introdução
É hoje prática corrente que profissionais, mesmo que não se dediquem à carreira de investigação, escrevem artigos destinados a serem apresentados em conferências da sua especialidade. Como a generalidade das conferências satisfaz a tradição das conferências científicas, é importante que estes profissionais saibam cumprir o formato típico dos artigos científicos. É neste contexto que se pretende sensibilizar o autor para os aspectos mais fundamentais da escrita de artigos científicos.
Existem excelentes obras sobre o tema, que o leitor terá todo o proveito em consultar, como o famoso Manual for Writers, de Kate Turabian [3], produzido na linha do, ainda mais famoso, Chicago Manual of Style [1]. Em português, o livro Redacção e Apresentação de Trabalhos Científicos [2], de Pedro Serrano, é uma referência útil. No presente texto, procura-se apresentar uma visão alternativa, muito sintética, centrada na simples descrição de cada uma das principais componentes de um artigo científico.
É nessa perspectiva que se percorrem as partes essenciais de um artigo científico, desde o título até às referências, comentando brevemente cada uma delas.
Componentes de um artigo científico
Descrevem-se as diversas componentes de um artigo científico, apresentadas segundo a ordem pela qual o leitor as encontra. Como já foi comentado noutros locais, esta ordem não corresponde, de modo nenhum, à sequência pela qual elas são escritas. Na prática, com efeito, as conclusões, a introdução e o resumo são geralmente os últimos a serem produzidos, e o título sofre muitas vezes alterações radicais de última hora. Apresenta-se entre parêntesis, para cada uma destas componentes, a respectiva designação anglófona.
Título (Title). Descreve de forma lógica, rigorosa, breve e gramaticalmente correcta a essência do artigo. Por vezes opta-se por títulos com duas partes, como o deste texto.
Autor e filiação (Author and affiliation). Indicação do nome do autor (ou autores) e da instituição a que pertence(m). É frequente indicar também o endereço de correio electrónico.
Resumo (Abstract). Não deve exceder 200 palavras e deve especificar de forma concisa, mas não telegraficamente:
1. O que é que o autor fez. 2. Como o fez (se for relevante). 3. Os principais resultados (numericamente, se for caso disso). 4. A importância e alcance dos resultados.
O resumo não é uma introdução ao artigo, mas sim um descrição sumária da sua totalidade, na qual se procura realçar os aspectos mencionados. Deverá ser discursivo, e não apenas uma lista dos tópicos que o artigo cobre. Deve-se entrar na essência do resumo logo na primeira frase, sem rodeios introdutórios nem recorrendo à fórmula estafada “Neste artigo …”. Não se devem citar referências bibliográficas no resumo. Convém lembrar que um resumo pode vir a ser posteriormente reproduzido em publicações que listam resumos (de grande utilidade para o leitor decidir se está ou não interessado em obter e ler a totalidade do artigo).
Palavras-chave (Keywords). Por vezes é pedido que um artigo seja acompanhado por um conjunto de palavras-chave que caracterizem o domínio ou domínios em que ele se inscreve. Estas palavras são normalmente utilizadas para permitir que o artigo seja posteriormente encontrado em sistemas electrónicos de pesquisa. Por isso, devem escolher-se palavras-chave tão gerais e comuns quanto possível. Um bom critério é seleccionar as que usaríamos para procurar na Web um artigo semelhante ao nosso. Para ganhar sensibilidade a palavras-chave é útil consultar o sistema anual de classificação das ACM Computing Reviews.
Introdução (Introduction). A introdução fornece ao leitor o enquadramento para a leitura do artigo, e deve esclarecer:
1. a natureza do problema cuja resolução se descreve no artigo, 2. a essência do estado da arte no domínio abordado (com referências bibliográficas), e 3. o objectivo do artigo e sua relevância para fazer progredir o estado da arte.
Quando for caso disso, deve incluir ainda:
4. indicação dos métodos usados para atacar o problema, e 5. descrição da forma como o artigo está estruturado.
Corpo do artigo (Body of the paper). Constitui a descrição, ao longo de vários parágrafos, de todos os pontos relevantes do trabalho realizado.
Conclusões (Conclusions). Devem ser enunciadas claramente, e deverão cobrir:
1. o que é que o trabalho descrito no artigo conseguiu e qual a sua relevância, e 2. as vantagens e limitações das propostas que o artigo apresenta .
Quando for caso disso, deve incluir ainda:
4. referência a eventuais aplicações dos resultados obtidos, e 5. recomendações para trabalho futuro.
Agradecimentos (Acknowledgments). Um artigo científico resulta com frequência do empenho de muita gente, para além dos que o assinam como autores – elementos da equipa e amigos que contribuiram, de uma forma ou outra, para a sua existência e qualidade. É neste ponto de um artigo científico (entre as “Conclusões” e as “Referências”) que se colocam os “Agradecimentos”. Quando a actividade que conduziu ao artigo é total ou parcialmente financiada por uma instituição diferente da que é indicada como sendo de filiação do autor, é também aqui que se mencionam os apoios. Várias instituições de financiamento exigem formalmente que o seu apoio seja referido neste ponto. Mesmo que tal não fosse obrigatório, faz parte das regras de boa cordialidade científica mencionar aqui as instituições que apoiaram o trabalho.
Referências (References). Trata-se de uma listagem dos livros, artigos ou outros elementos bibliográficos que foram referenciados ao longo do artigo. Existem várias normas de referenciação. A que foi aqui usada é a recomendada pela ACM (Association for Computing Machinery).
Conclusões
Pretendeu-se que este trabalho proporcionasse, de forma muito sintética, mas objectiva e estruturante, uma familiarização com os principais cuidados a ter na escrita de um artigo científico. Para satisfazer este objectivo, optou-se por uma descrição sequencial das componentes típicas de um documento desta natureza. Pensa-se que o resultado obtido satisfaz os requisitos de objectividade e pequena dimensão que pretendia atingir. Pensa-se também que constituirá um auxiliar útil, de referência frequente para o leitor que pretenda construir a sua competência na escrita de artigos científicos. Faz-se notar, todavia, que ninguém se pode considerar perfeito neste tipo de tarefa. A arte de escrever artigos científicos constrói-se no dia-a-dia, através da experiência e da cultura. Assim, as indicações deste texto deverão ser entendidas como um mero primeiro passo, enquadrador, para uma jornada plena de aliciantes mas que nunca terá fim.
Agradecimentos
O autor agradece aos seus alunos da disciplina de “Comunicação Técnica Profissional” o estímulo e bom acolhimento que deram à versão original deste texto. O trabalho correspondente foi realizado parcialmente no âmbito do CISUC, ao abrigo do contrato 11/326 da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Referências
1. The Chicago Manual of Style, 14th ed., The University of Chicago Press, Chicago, 1996. 2. Serrano, P. Redacção e Apresentação de Trabalhos Científicos, Relógio D’Água Editores, Lisboa, 1996. 3. Turabian, K.L. A Manual for Writers of Term Papers, Theses, and Dissertations, 6th ed., The University of Chicago Press, Chicago, 1996.
por António Dias de Figueiredo
Departamento de Engenharia Informática Universidade de Coimbra, 3030 Coimbra, Portugaladf@dei.uc.pt
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