O texto que vem logo abaixo foi publicado originalmente em 2018, no nosso antigo blog, cujo formato havia um espaço para comentários dos leitores. Nele, fui chamado de pessimista, frustrado, tendencioso, traumatizado e ainda disseram que eu estava desencorajando e desestimulando futuros candidatos ao mestrado e ao doutorado.
Então, acho oportuno fazer a seguinte ressalva: é óbvio que eu gostaria de ver mais pessoas se tornarem mestres e doutores. Conhecimento não ocupa espaço, e o conhecimento científico é libertador, além de ser primordial para o desenvolvimento do país. Mas, também, acho fundamental que as pessoas saibam onde estão entrando. Sendo assim, o meu objetivo aqui é simplesmente promover uma conscientização sobre alguns pontos que podem estar presentes numa carreira acadêmica.
Por fim, para atualizarmos para a realidade de 2022, seguem alguns dados: os valores das bolsas que utilizei em 2018 permanecem os mesmos, embora muitos itens tenham dobrado de preço nesse período. O último edital do CNPQ para projetos de pós-doutorado teve 5.500 inscritos e apenas 400 bolsas foram concedidas. Além disso, o corte de investimentos nas universidades chegou aos incríveis 96%. Ou seja, a situação só piorou de lá pra cá.
Vamos ao texto original:
Você terminou a graduação e um dos caminhos possíveis é ingressar numa pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) visando uma carreira acadêmica. Pois bem, o objetivo deste texto é destrinchar as várias etapas que você encontrará ao longo do caminho!
Eis alguns pontos que você deve analisar.
O TEMPO Optar por uma pós-graduação stricto sensu implica em passar mais dois anos fazendo mestrado e mais quatro anos fazendo doutorado, portanto, são seis anos a mais, no mínimo, de estudos aprofundados na sua área do conhecimento. Não que isso seja ruim, não é e nunca será. Mas, pelas regras dos programas de pós-graduação no Brasil, há consequências que precisam ficar claras. Isso implica chegar próximo dos 30 anos de idade sendo tratado como "estudante" e sendo dependente de uma bolsa cujo os valores são absurdamente baixos.
O ECONÔMICO Se tudo correr bem você terá uma bolsa que hoje tem os valores de R$ 1500,00 para o mestrado e de R$ 2200,00 para o doutorado. Isso significa que seis anos após a sua formatura você estará ganhando, dependendo da profissão é lógico, muito menos que os seus colegas de faculdade. Acredite, isso pesa.
OS DIREITOS Como pós-graduando você não tem nenhum direito trabalhista, ou seja, você não tem férias, não tem 13º e não contribui com o INSS. Isso interfere lá na frente, na hora da aposentadoria. Observação: algumas pessoas fazem uma contribuição independente durante a pós-graduação, para ir contabilizando no montante final, mas são poucas as pessoas que sabem dessa possibilidade. Informe-se sobre isso.
O ORIENTADOR Você pode conseguir um orientador amável e que funcionará como guia sinalizando os caminhos que você deverá percorrer durante a sua pós-graduação. Mas também poderá ter um orientador negligente que transformará sua vida num inferno, portanto, obtenha previamente o maior número de informações possíveis do seu futuro orientador.
AS ATIVIDADES A pós-graduação requer um grande número de atividades que consumirão boa parte do seu tempo e talvez dê sua saúde mental. São elas: cursar disciplinas, fazer relatórios, coletar dados, coorientar colegas, reuniões, escrever artigos, participar de congressos, qualificar, escrever a dissertação e/ou tese. No geral, tudo isso vem junto e misturado, você deve ter um bom senso de organização para que tudo saia Ok.
RELAÇÕES PESSOAIS
Seu foco será o seu curso, família, relacionamentos e amizades estarão em segundo plano.
PÓS DEFESA Não é pequeno o número de pessoas que passam 5, 6, 7 anos fazendo pós-doutorado. Isso ocorre por que o sistema é incapaz de absorver todo mundo, mas isso não é uma exclusividade Brasil. Nos Estados Unidos e na Europa apenas 30% dos doutores permanecem na universidade, o restante vai para o mercado de trabalho, diferentemente do Brasil, no qual é raro encontrar um doutor numa indústria. Nesse momento é preciso fazer contas e ser frio, se você está há 7 anos no pós-doutorado, significa que você já está formado há pelo menos 12 anos, se por acaso você ficar sem bolsa, você estará desempregado e sem nenhuma garantia de nada. Ou seja, você tem dois títulos, alguns artigos e nenhuma certeza de que terá um emprego.
O EMPREGO No Brasil, quase que a totalidade dos doutores estão nas universidades ou nos centros de pesquisas, salvo raras exceções. Para conseguir um emprego em uma universidade privada é preciso uma boa rede de contatos e uma certa dose de sorte. Já nas universidades públicas e no centros de pesquisas é necessário passar num concurso público. Hoje, um concurso para professor tem de cinco a mil candidatos, dependendo da área e da vaga pretendida.
O QUE FAZER ENTÃO?
Nas linhas acima, eu esbocei, mais ou menos, o percurso que todos os pós-graduandos percorrem desde que resolvem fazer um mestrado até conseguirem o tão sonhado emprego. Obviamente cada história tem suas particularidades, alguns enfrentam bem todas essas etapas, outros não.
Caso opte por seguir em frente, rumo à carreira acadêmica, espero que este texto lhe auxilie sobre o que virá! A jornada é longa e você deve estar muito consciente da sua decisão. Boa sorte!